sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Várias leituras do mesmo fato - confiar em quem?

Nesse post insiro a mesma notícia, porém de fontes diferentes. Inicialmente reproduzo um artigo publicado no blog RS URGENTE, de Marco Aurélio Weissheimer, também editor na Agência Carta Maior, sobre a execução de um mandato de busca e apreensão a alguns objetos supostamente roubados por militantes do MST. Em seguida a mesma notícia, publicada no Correio do Povo e na Zero Hora, respectivamente. Tirem suas próprias conclusões.

Em tempo: somente a Zero Hora cita a presença de policiais federais à ação, o que é duvidoso, pela natureza das atribuições da PF (adicionado às 15:51).


Do RS URGENTE, em 18 de janeiro de 2008:

O fotógrafo Leonardo Melgarejo faz o seguinte relato dos acontecimentos, ontem, no assentamento Nova Sarandi, quando a Secretaria de Segurança Pública do RS mobilizou um aparato de centenas de policiais para executar uma ação de busca e apreensão.

  1. Encontro Estadual do MST se realiza em assentamento muito bem sucedido, área federal desapropriada há cerca de 20 anos e cedida para as famílias ali estabelecidas, que ofereceram seu espaço, suas casas, para os cerca de 1500 participantes do evento.
  2. Um juiz estadual determina mandado de busca e apreensão para itens supostamente roubados por algumas pessoas que supostamente estariam participando do Encontro. Os itens incluem um anel de ouro, uma máquina fotográfica, R$ 200, um rádio de carro, entre outros. Merece destaque o fato de que estes itens são apresentados desta forma, que não permite sua identificação. Qualquer anel dourado, qualquer máquina, qualquer conjunto de notas e moedas somando R$ 200 se enquadram no rol de provas a serem buscadas.
  3. É montado um aparato de busca envolvendo o que se vê nas fotos. O assentamento é cercado. Os assentados são informados, na parte da tarde, que na manhã seguinte será executada a ação.
  4. Os assentados, que convidaram os participantes a se reunirem ali, não aceitam abrir suas casas para uma revista que não daria em nada, pelo absurdo do ato.
  5. Ao amanhecer inicia-se o processo, com divergências entre o comando da Brigada e o comando da Polícia a respeito da necessidade de levar a ação a termo, nos moldes em que ela está se delineando. Com apoio do comando da Polícia, são estabelecidas negociações envolvendo vários interlocutores, que incluem ministros de estado, juízes, ouvidores agrários e diversas articulações para obter manifestação da governadora, que supostamente já haveria dado seu consentimento ao ato. A imprensa internacional anuncia a possível tragédia. A ONU se manifesta pedindo suspensão da ação.
  6. Os agricultores se preparam para oferecer resistência, com paus e pedras. A organização dos agricultores consegue conter o nervosismo de todos, a tensão é amenizada com canções. No momento em que o confronto parece inevitável, a negociação evolui para bom termo. Os ônibus são revistados pela polícia, a Brigada Militar não entra na área do assentamento, a ação militar é suspensa, os agentes se retiram, agricultores retornam às atividades do Encontro.
Fotos: Leonardo Melgarejo

Escrito por Marco Weissheimer às 15h26
Do Correio do Povo, de 18 de janeiro de 2008 (capa):
Negociação evita confronto

Duraram cerca de oito horas as negociações envolvendo a Brigada Militar (BM), a Polícia Civil e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no cumprimento de um mandado judicial de busca e apreensão expedido pelo juiz Orlando Faccini Neto, de Carazinho. Ele mandou recolher os 17 ônibus usados para levar centenas de sem-terra a uma invasão relâmpago, de três horas, à fazenda Coqueiros, em Coqueiros do Sul, na segunda-feira passada, e localizar objetos, armas e munição que sumiram da propriedade rural depois da ocupação.

Durante a madrugada, a BM vistoriou dois acampamentos no município de Coqueiros do Sul e prendeu um homem por porte ilegal de arma. Ao amanhecer, cercou a cooperativa do Assentamento Novo Sarandi, em Pontão, mas encontrou resistência dos cerca de 1,1 mil militantes do MST que estavam no local para um encontro estadual. O impasse se estendeu até as 16h, quando, por acordo, houve uma revista de instalações, ônibus e 50 pessoas, na qual nada foi encontrado.

'Fizemos cumprir a ordem do juiz sem recuar jamais', afirmou o coronel Paulo Mendes, subcomandante da Brigada Militar, ao final da operação. Mendes conduziu as negociações, junto com o ouvidor-geral da Segurança Pública, Adão Paiani, e o delegado regional de Carazinho, Luiz Fernando Pinto.

Operação para cumprimento de mandado judicial de busca e apreensão em acampamentos mobilizou 600 policiais militares

Da Zero Hora, de 18 de janeiro de 2008:
Três dias depois de invasão-relâmpago de integrantes do movimento em Coqueiros do Sul, polícia cumpre mandados em acampamentos

O governo do Estado respondeu forte à provocação feita por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que na segunda-feira promoveram uma invasão-relâmpago à Fazenda Coqueiros, em Coqueiros do Sul, no norte gaúcho.

Na manhã de ontem, cerca de 700 policiais militares, civis e federais desembarcaram em frente a dois acampamentos do movimento, no município, e à sede do Assentamento Novo Sarandi, em Sarandi. O motivo era o cumprimento de um mandado de busca e apreensão de objetos e dinheiro supostamente roubados durante a invasão dos sem-terra à Coqueiros.

Embora reunidos em silêncio, com homens do Batalhão de Operações Especiais de Porto Alegre, Santa Maria e Passo Fundo, os policiais foram recebidos na porteira da Novo Sarandi - antiga Fazenda Annoni e berço do MST - pelos cerca de 400 sem-terra que estão no local, por volta das 7h. Ali, acontece desde segunda-feira um encontro estadual do movimento.

Uma longa negociação se estendeu até as 16h, quando, finalmente, os sem-terra concordaram com a vistoria na propriedade. Antes disso, houve momentos de tensão. Argumentando que os objetos procurados não estavam na propriedade, os sem-terra bloquearam a passagem dos agentes.

Policiais não encontraram objetos desaparecidos

A Brigada Militar e a Polícia Civil, comandadas respectivamente pelo subcomandante-geral da BM, coronel Paulo Roberto Mendes, e pelo delegado regional de Carazinho, Luís Fernando de Azevedo, pretendiam entrar a qualquer preço, afirmando ter uma ordem judicial a cumprir. Como os sem-terra ameaçavam reagir com força, os ânimos foram acalmados pela intervenção do ouvidor-geral da Segurança Pública, Adão Paiani, que acompanhava a ação e conversou diversas vezes com a governadora Yeda Crusius, que trabalhou intensamente para evitar o confronto.

No meio da tarde, 70 agentes da Polícia Civil, 10 delegados e 40 soldados da Brigada Militar entraram na área com aval do movimento.

- Nós resistimos à mão opressora do latifúndio, que usa o braço armado do governo para nos reprimir. Mas não queremos derramamento de sangue. Mais uma vez, a governadora mostra seu novo jeito de governar - reclamou uma líder do MST que preferiu não se identificar.

A vistoria na sede da granja usada para a reunião foi feita em cerca de 30 minutos. Nenhum dos objetos procurados foi encontrado, mas foram apreendidos uma foice e alguns pedaços de madeira que poderiam ser usados como arma. O encontro estadual do MST termina hoje à tarde.

Nos dois acampamentos do movimento em Coqueiros do Sul, para onde se deslocaram cerca de 200 policiais, não houve dificuldade para o cumprimento do mandado judicial. A revista aconteceu ainda pela manhã. Foram apreendidos uma espingarda, um esmerilhador, um binóculo e uma motosserra de origem ainda não identificada.

LEANDRO BELLES | Passo Fundo/Casa Zero Hora


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

A (des)confiança na mídia

Esta matéria foi publicada no Observatório da Imprensa, em 29 de janeiro desse ano, e merece que se perca alguns minutos em sua leitura. Bom proveito.

PESQUISAS DE OPINIÃO

A (des)confiança na mídia

Por Venício A. de Lima em 29/1/2008

Telespectadores da edição de terça-feira (22/1) do Jornal da Globo e leitores do jornal O Globo (24 e 25/1) foram surpreendidos com a informação de que "brasileiros confiam mais na mídia" e que "o governo ficou em último lugar" (entre as instituições mais confiáveis), segundo pesquisa realizada por uma empresa de nome Edelman. Surpreendidos porque outros resultados divulgados recentemente indicam tendência exatamente oposta.

O que justificaria mudança tão repentina na opinião dos brasileiros?

Um estudo mundial sobre a credibilidade das instituições, contratado pela BBC, a Reuters e o The Media Center, realizado em março de 2006, revelou que, no Brasil, mais da metade dos entrevistados – ou 55% – declarou que não confiava nas informações obtidas através da mídia. Entre todos os países pesquisados, esse percentual era igual ao da Coréia do Sul e só não era maior do que o obtido na Alemanha (57%). Além disso, a pesquisa revelou que, comparativamente, o Brasil era o país onde os entrevistados estavam mais descontentes com a sua própria mídia: 80% disseram que a mídia exagera na cobertura das notícias ruins; 64% concordam que raramente encontram na grande mídia as informações que gostariam de obter; 45% não concordam que a cobertura da grande mídia seja acurada; e 44% declaram ter trocado de fonte de informação nos 12 meses anteriores por terem perdido a confiança [ver, neste Observatório, "Pesquisa revela a (des)confiança na mídia"].

Parte da elite

Por outro lado, além das sucessivas pesquisas de opinião realizadas pelos principais institutos brasileiros (Ibope, DataFolha, Sensus, Vox Populi) indicarem índices positivos de avaliação do governo, o LatinoBarômetro 2007 divulgado em novembro de 2007 mostrava que o presidente do Brasil foi o mais bem avaliado da América Latina (ver aqui).

Ao contrário, a notícia publicada no jornal O Globo (25/1, A-8), com o título "Brasileiros confiam mais na mídia" e subtítulo "Pesquisa mostra que imprensa tem credibilidade para 64%; governo, para 22%" afirma que:

"Pesquisa realizada pela multinacional de relações públicas Edelman mostrou que 64% dos brasileiros consideram a mídia a mais confiável das instituições. Conforme informou ontem a coluna Ancelmo Gois, no Globo, o governo é a instituição de menos credibilidade para os brasileiros – apenas 22% das pessoas ouvidas disseram ter confiança" [ver abaixo texto integral da matéria].

Um leitor atento, no entanto, que não se inclua entre os brasileiros entrevistados e não confie tanto assim na mídia, poderá, ele próprio, visitar o site da Edelman – a maior empresa de relações públicas do planeta, com sede em New York/Chicago e escritórios em 46 cidades de 23 países dos 5 continentes, inclusive São Paulo – e obter informações fundamentais que não encontrará na matéria de O Globo sobre a tal pesquisa.

O "2008 Edelman Trust Barometer" foi realizado nos meses de outubro e novembro de 2007 e os 150 (isso mesmo, cento e cinqüenta) entrevistados, por telefone, no Brasil, são considerados (por quais critérios?) "líderes de opinião" – 50 deles entre 25 e 34 anos e 100 entre 35 e 64 anos. Eles têm curso superior, pertencem aos 25% detentores do maior nível de renda por domicílio e têm grande interesse em assuntos relacionados à mídia, à economia e aos negócios públicos.

Trata-se, portanto, de uma amostra de parte da elite brasileira, sem qualquer representatividade do conjunto da população.

Amostras representativas

Lendo e relendo os textos das matérias de O Globo e do Jornal da Globo, fica-se com a impressão de que eles foram escritos deliberadamente para passar a idéia (falsa) de que a maioria dos brasileiros confia mais na mídia do que no governo. As matérias, ao não contextualizarem a informação e omitirem dados essenciais sobre a pesquisa da Edelman, acabam por contar uma meia verdade que esconde uma inverdade.

Não é sem razão que a credibilidade da mídia, revelada por pesquisas feitas com amostras estatisticamente representativas do conjunto da população, é – ao contrário do que diz O Globo – cada vez menor entre os brasileiros.

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Brasileiros confiam mais na mídia

Pesquisa mostra que imprensa tem credibilidade para 64%; governo, para 22%

Copyright O Globo, 25/1/2008

Pesquisa realizada pela multinacional de relações públicas Edelman mostrou que 64% dos brasileiros consideram a mídia a mais confiável das instituições. Conforme informou ontem a coluna Ancelmo Gois, no Globo, o governo é a instituição de menos credibilidade para os brasileiros – apenas 22% das pessoas ouvidas disseram ter confiança.

A pesquisa foi realizada em 18 países, entre outubro e novembro, em entrevistas por telefone. No Brasil, 150 pessoas foram ouvidas. Foi a nona pesquisa realizada pela empresa e, pela primeira vez, grupos foram separados por idade: de 25 a 34 anos e de 35 a 64. Um dos dados destacados é que só em três países – Holanda, Suécia e China – o governo foi considerado a instituição de maior credibilidade.

Brasileiros confiam em empresas multinacionais

No Brasil, a confiabilidade da mídia superou a de empresas (61%) e organizações não-governamentais (51%). Multinacionais atingiram altos percentuais de credibilidade no Brasil e no México – à exceção de chinesas e russas. Segundo a pesquisa, nos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) o uso da mídia social pelas empresas é geralmente alto e também entre jovens formadores de opinião.

O estudo indicou ainda que 44% do grupo formado por pessoas entre 35 e 64 anos tendem mais a ler jornal impresso do que eletrônico (21%). A diferença de percentual diminui no grupo de 25 a 34 anos: 35% lêem os impressos e 30%, os onlines.

Nos 18 países, CNN (25%), BBC (17%) e Google (9%) são as fontes com que as pessoas mais contam para obter informações sobre empresas. No Brasil, 71% consideram confiáveis os artigos de revistas especializadas em negócios.

O setor de tecnologia é o mais confiável em 17 dos 18 países, seguido por biotecnologia, ciências biológicas. A média de credibilidade nos 18 países para propaganda de produtos é baixa: apenas 20%.

A maioria acredita em especialistas e "pessoas como nós" – aqueles que compartilham dos mesmos interesses e têm crença política similar – como fontes de informação. No Brasil, no entanto, a importância de compartilhar interesses caiu de 79% para 65% nesta pesquisa.

Nos Estados Unidos, uma má notícia para a senadora Hillary Clinton: foi perguntado em qual gênero a população confiaria mais para o cargo de presidente. A maioria dos ouvidos (69%) disse que ser homem ou mulher não faria diferença. No entanto, um índice estatisticamente alto prefere um líder do sexo masculino (16% contra 7%).