quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A Primeira Turma

Este texto que publico aqui foi minha última produção da disciplina de COMUNICAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA I, orientado pela professora Daniela Favero Netto. É um texto em narrativa, fictício, e o objetivo proposto é desenvolver a narração descrevendo um grupo de pessoas. Segue o texto *:

A primeira turma

Segundo dia de aula do Juliano, e estamos, eu e ele, um tanto apreensivos. Até então o mundo social pra ele eram apenas nosso lar, a casa da babá e os passeios à praça próxima ao nosso apartamento. Na escolinha as coisas são diferentes, explico-lhe; temos que respeitar os colegas e a professora, e algumas regras criadas para facilitar o convívio dessas diferentes realidades. Como de costume no período de adaptação, tenho que esperar por perto até que tenhamos certeza de que ele se incorporará àquele ambiente diferente. Mas crianças são seres realmente fascinantes.

Enquanto aguardo em algum lugar onde Juliano não perceba minha presença, observo o comportamento de alguns dos colegas da escolinha. Apesar de diferentes, há algumas características comuns a esses pequenos. A curiosidade é evidente em cada gesto, em cada olhar, em todos. Deparar-se com um objeto novo é motivo suficiente para esquecer a tarefa que desempenhava, a fim de dedicarem-se à exploração dessa nova possibilidade, afinal de contas há muitas novidades sempre. Quando percebo, sinto alguém me cutucar as pernas. Um pequenino, de uns quatro anos, pergunta meu nome; pele negra, cabelos encaracolados, olhar vivaz e atento, encanto-me com aquele menino curioso e observador. Respondi à sua questão, ao que ele saiu rindo-se de orgulho, correndo para comentar com os demais colegas. Aquela inquisição parecia uma espécie de passaporte para o grupo, pois logo convidaram meu filho para participar da reunião informal que ocorria na “mesa I, de inteligente” (me relatou depois um dos novos colegas). Impossível conter minha fascinação ao observar o comportamento daquelas crianças, que àquele ponto já apresentavam a sala a meu filho. Enquanto aguardava, percebi a mudança de comportamento de Juliano que, apesar de pouco acostumado com outras crianças, apresentava uma desenvoltura então desconhecida por mim. Era notável a segurança que demonstrava, a forma como impunha respeito a si, sem ser rude com os outros. Aquele comportamento me surpreendeu de tal forma que nem percebi o cenário que simultaneamente se desenhava.

Expressão aborrecida, braços cruzados, olhar “enviesado” denotava alguma inconformidade daquela menina, cuja beleza física não combinava com sua conduta anti-social; não tardou e, conversando com a orientadora da turminha, descobri a fonte do desagrado daquele anjinho de carne e osso: ela também estava em fase de adaptação, e agora as atenções não se voltavam exclusivamente para ela, dividindo-se os colegas em agradar a ambos, ao Juliano e à menininha. Chamava-se Mariana, e já freqüentava a escolinha há cerca de uma semana, motivo pelo qual seus pais não estavam observando-a. Pois o que vi me surpreendeu ainda mais: Juliano, apesar de toda a novidade que representava aquele dia, percebeu a inconformidade da menina, e perguntou aos novos colegas quem era, e porque estava triste. Aquelas perguntas desencadearam na turma uma preocupação que não estava mais presente entre eles, de agradar a já não mais nova coleguinha. De repente as atenções voltaram-se novamente para aquela menininha. Meu amiguinho negro começou a fazer peraltices, como caretas; outra garotinha, de olhar doce como uma amêndoa e tão negro como seus longos cabelos, veio oferecer sua bonequinha, e Mariana se refez. Seguiu-se uma sucessão de palhaçadas de Juliano, objetivando desentristecer aquela que mais tarde tornaria-se sua inseparável amiga. Trabalharam todos juntos, em uma demonstração de altruísmo, solidariedade e cooperação.

Lembrei-me de minha infância, da candura de comer uma maria-mole, da doçura de uma afago da “tia”, do convívio enriquecedor com os colegas, de meu “melhor amigo” ou da minha primeira paixão que não pelos chocolates de páscoa. Lembrei disso, e pensei que não seria muito diferente com meu filho. Percebi que, naquele dia, eu estava ainda mais ansioso que ele, e minha ansiedade estava evitando as novas experiências de meu pimpolho, além de bloquear boa parte de minhas lembranças. Eles não sabiam, mas não desentristeceram somente a nova e emburrada coleguinha. Desentristeceram também um velho pai, que na correria e no stress das obrigações diárias esqueceu-se da alegria de ser puro e cristalino como a água que brota da nascente, que ainda não carrega as agruras de serpentear pelas encostas, lavando seu leito e levando consigo a vida, mas também muitas impurezas que turvam sua aparência. Lembrei-me, e assim revivi a alegria de ser, simplesmente, criança.

* atualizado em 15/12/2007, 2:31. LSR

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