sexta-feira, 7 de março de 2008

Chamem a juíza Karam!!!

Texto publicado no site de Carta Capital, sobre dois filmes do cinema nacional. Vale a pena ler a crítica ao excelente "Tropa de Elite", comparado ao também excelente "Meu Nome Não é Johnny", por Ivana Bentes . Acompanhe:

Chamem a juíza Karam!!!

05/03/2008 20:16:59

Assistir Meu Nome Não é Johnny depois de Tropa de Elite é ótimo para perceber os discursos estéticos e políticos que atravessam os filmes e seus personagens frente a questão das drogas e da violência: de um lado o mais novo herói brasileiro, o garoto propaganda da cerveja turbinado como Capitão Nascimento e defendendo a “moral da tropa”, a “boa” policia que destila ódio e ressentimento contra Ongs de “menininhas bonitas bem intencionadas”, demoniza jovens que fumam maconha (“quantas crianças vão para o tráfico para esse cara fumar um baseado”) , e rotula todos com a mesma insígnia de “inimigos públicos número 1”: consumidores, traficantes, policia corrupta, ongs, todos merecem um “corretivo” dos camisas-preta.

O filme e o personagem não criam nenhuma brecha para qualquer questionamento, a ação arrasta o espectador para um discurso regressivo e vingativo, bastante popular, de culpabilização, moralismo e terror, sintetizados na cena em que o Capitão Nascimento, enfia a cara de um consumidor num cadáver ensangüentado berrando “veado, maconheiro é você que financia essa merda!!!”

O prazer, o gozo regressivo do personagem em estado de excitação vai produzindo uma comoção fácil na platéia, a verdade da fúria santa e da “indignação”, o mesmo tipo de denuncismo e indignados que a mídia não cessa de repercutir e incensar, com a propagação de idéias e slogans simplórios, “contra a corrupção”, “contra dar dinheiro aos pobres”, contra qualquer política que crie uma real ruptura no estado das coisas.

Narrados na primeira pessoa, os dois filmes constroem uma identificação imediata, cinematográfica, entre o espectador e os personagens-narradores a partir desses momentos de catarse. O Capitão Nascimento excitando nosso devir-fascista, com sua “expertise”, frases-feitas, camisa-preta e apologia da tortura, do extermínio e celebração da morte. Ou seja, o terror de Estado legitimado cinematograficamente e socialmente. E, de outro lado, o narrador-experimentador, João Estrela, também falando na primeira pessoa do singular e partilhando seu devir-consumidor, devir-traficante, devir-família, devir-presidiário, devir-careta, sem que nada disso seja “incompossível”, nem tenha que ser demonizado e negado.

A primeira vítima da narrativa de Tropa da Elite é, portanto, o espectador, tornado refém da lógica do Capitão Nascimento e de Matias, aspirante a Capitão, que só têm um devir: virarem assassinos fardados e arrastar o espectador no gozo regressivo da repressão, da tortura, e da infantilização, o Bope é o “bicho papão” de preto e caveira, fantasia carnavalesca que as crianças adotaram no Rio de Janeiro, “e que vai pegar você”.

O filme cola nesse discurso de tal forma que é impossível não querer o que ele quer e não justificar suas ações. O espectador se torna refém. Não é coincidência que o símbolo do Bope é a mesma caveira-símbolo dos esquadrões da morte. A pulsão de morte e a adrenalina, o gozo imperativo e soberano em ver, infligir e se expor a violência está presente em todo o cinema de ação comercial, numa regressão planetária que reafirma a "autoridade absoluta", o poder que normalizaria o caos e regraria a catástrofe, mesmo que utilize para isso a violência e arbitrariedade máximas. Toda a ideologia Bush, anti-terrorista, cabe aí. É o mesmíssimo discurso! A guerra infinita, a guerra total permanente.

O dualismo e pragmatismo do personagem do Capitão se repetem em cenas catárticas em que esculacha e sufoca com um saco plástico gosmento de sangue um garoto do tráfico, chutado, espancado, torturado, para passar mais informações. O filme justifica a tortura da “boa” policia como parte de sua expertise e eficiência. A tortura é apenas mais uma “tecnologia”, como o Caveirão, totalmente justificada, “moralmente” e cinematograficamente, como num “institucional do Bope”, como já disseram.

Meu nome não é Johnny aposta num anti-Capitão Nascimento, um anti-herói hedonista e sedutor, “no stress”, que cheira para se divertir, para amar, sem deixar de ser afetuoso, família, amigo, amante. A figura não-clichê de João Estrela sugere que o pressuposto de “um mundo sem drogas” é no mínimo hipócrita, e não leva em consideração a cultura e o desejo humano e um componente importante no cenário contemporânea, o risco assumido e livre. Como a gordura trans e o álcool, qualquer droga seria um “direito” do consumidor contemporâneo. Por que não?

É sabido que o consumo de drogas não fere nem ameaça a rede social, é uma decisão, um risco individual. O consumo de drogas não seria menos epidêmico e arriscado que o consumo de gorduras, aditivos cancerígenos, miríades de estimulantes, calmantes, excitantes e no máximo poderia ser um caso de saúde pública, não um caso de polícia se não houvesse a ilegalidade na produção e consumo.

É a ilegalidade e o proibicionismo que levam a criação de sistemas violentos para assegurar a produção e comércio das drogas. Grupos armados e para-militares para assegurar a produção e venda e defender o negócio da polícia e de outros concorrentes, acertos de contas internos, zonas de controle de territórios pela violência armada, corrupção, subornos, assassinatos para assegurar a lavagem de dinheiro, cultura da delação e da traição, delação premiada, produzindo ódio, desconfiança e vingança generalizados.

Sobre a legalização das drogas, o Capitão Nascimento age como uma toupeira. Essa hipótese não existe para o personagem, nem para o filme, dramaturgicamente. Em Meu Nome não é Johnny a questão aparece de forma mais interessante e complexa, mas não faz parte do mundo mental ou social dos personagens.

As hipóteses e explicações nos filmes patinam em clichês já sabidos (mas não custa repetir, Meu Nome não é Johnny é muito mais sofisticado e sutil).

Afinal, por quê não circulam outros discursos sobre as drogas, como os da juíza de direito Maria Lúcia Karam ou do advogado carioca André Barros, que defendem e militam pela descriminalização, a medicalização e a legalização das drogas, com avanços gradativos?

O usuário podendo fazer uso de consumo individual, freqüentar salas de consumo, ter acompanhamento médico e controle da qualidade do produto, até chegarmos a legalização e controle do comércio de drogas, seja por empresas privadas ou pelo estado.

Legalizar, defende a juíza, é quebrar o ciclo da violência das armas, da corrupção (da policia, de políticos, de empresários), da guetificação da violência e da repressão policial infringida às favelas e aos pobres, do uso e extermínio da mão de obra infantil e de jovens, da degradação da saúde, através do uso seguro, é romper um ciclo vicioso de violência já instalado.

Legalizar é acabar com a hipocrisia e combater a violência extrema e o regime de exceção e arbitrariedade legitimados pelo Estado, pela polícia, pela sociedade-anti-pobres e pelo tráfico, sócios na produção da atual barbárie.

Nem corrupção, nem omissão, nem guerra. A questão é de guerrilha, é não ficar refém do Capitão Nascimento, é minar os clichês e discursos conservadores. Chega de vingança regressiva, chamem a juíza Karam!

3 comentários:

Unknown disse...

Abertamente sou contra o consumo e a legalização das drogas a q defende a comentarista do artigo. Um pelo fato lógico e eminente q nosso sistema de sapude não tem capacidade de oferecer acompanhamento aos viciados muito menos garantir que a possivel explosão de viciados seja absorvida pelo sistema de saúde como o é feito pela holanda, e demais países q além de terem uma legislação coerente, repassam os tributos cobrados aos contribuintes na forma de saúde e educação para poderem dar esta opção ao cidadão.
Dois pelo fato de que da mesma forma q o produto pirata circula por ai, nada impediria a "droga" pirata da circular nas cidades a preços menores ou como nos caso dos caça niqueis devidamente disfarçados em lancherias e lojas de 1.99 e arrecadar da mesma forma, seria hilario se não fosse tragico mas a droga vendida pelo traficante seria mais atraente ainda ao consumo por não ter impostos e ser mais barata q o alucinogeno comercial. Provavelmente se defende q haveria leis para punir o comercio ilegal mas da mesma forma há leis para punir pirataria, para punir falsificação e estas são ignoradas. Terceiro e último nos países onde há este tipo de liberação já há indicios de regressão pois o sistema de saúde não comporta mais a carga de overdoses, reabilitações e casos relacionados, tanto quanto as leis penais para trafico são muito mais rigorosas q as nossas e uma grande diferença são cumpridas em tempo habil.

Por isso para haver tal liberação em nosso país antes haveria de ocorrer uma reforma judiciaria, reforma no sistema de saúde, reforma legislativa e por fim uma reforma na policia que seria o 1 elo de controle deste lei, e estas reformas todas estão longe de acontecer neste país.

Quanto aos filmes em si, só assisti o Tropa e assim q possivel assistirei o Johnny q tambem parece ser um grande filme.

Anônimo disse...

Baita texto!

Falam que o país não terá condições estruturais para "agüentar" a legalização. Pois é, mas se esquecem de dizer que o sistema penitenciário está explodindo de tão super-lotado, que o denarc nunca apreendeu tantos narcóticos mas que - mesmo assim - o número de usuários só cresce e que o crime organizado é um câncer social que se torna mais poderoso a cada dia que passa.
Se preocupam com os perigos de uma possível legalização mas não olham para a sombra do iminente hecatombe social que encobre nosso país.

Abaixo a hipocrisia.
Abaixo a violência.

Ariel

Francisco de la Cruz disse...

Leandro, agradeço-lhe muito por ter visitado o meu blogue, o qual é visitado por pouquíssimas pessoas. Obrigado, muito obrigado mesmo pelo incentivo que me deu, no sentido de continuar escrevendo, ao postar o seu comentário. Saiba que gostei bastante deste blogue em que você é um dos que escrevem. Quanto à página que você me indicou, eu já a conheço e pretendo relacioná-la no meu blogue. Esta aqui, na qual escrevo, também pretendo fazer constar em meu blogue; com sua permissão, claro.