Oblíquos e Dissimulados
Se Machado de Assis a tivesse conhecido, com certeza poderia dizer que fora sua inspiração para Capitu. Olhar de cigana oblíqua e dissimulada parece ter sido escrito especialmente para ela. Seu olhar esconde suas verdadeiras intenções, não há como saber o que ela pensa ou como irá agir. Ao mesmo tempo em que esconde, seu olhar também diz tudo. Perder-se no meio daquela cor azul como o céu não é difícil, e corre-se o risco de não conseguir retornar ao mundo real. Enigmático, profundo, sedutor. Foi assim que ela me conquistou, com uma olhada de canto, sugerindo malícia. Não precisei mais do que esse olhar para cair aos seus pés. Hipnotizou-me.
Foi entrando no bar que a vi. Lá estava ela, sentada no balcão, bebendo uma taça de vinho e proferindo a todos aquele olhar, como se soubesse todo o poder que ele contém. Na verdade, ela sabia. Sempre soube. Por isso o utilizava com tanta segurança, com tanto vigor, ciente de que arrebataria qualquer homem são inserido naquele ambiente social. E comigo não foi diferente. Ao parar frente à porta, escolhendo um lugar para me sentar, ela cruza seu olhar rapidamente com o meu, que estava desatento e disperso. Instantaneamente, ele parou e fixou-se onde ela estava. Percebendo que me conquistara, virou o rosto e apenas olhou-me mais uma vez, agora de canto, esboçando um sorriso em seus lábios, como se satisfeita com o que acabara de provocar. Não resisti e fui conversar com ela. Sentei-me ao seu lado e disparei, um tanto quanto atordoado, um “oi”, confuso e engasgado. Ela nada disse, apenas me olhou – o que bastou para que meu encanto por ela crescesse ainda mais. Dessa vez seu olhar esboçava dissimulação, fingia com astúcia que era indiferente a minha presença e isso me instigou ainda mais. Fiquei a admirá-la, enquanto ela se ocultava. Eu sabia que ela gostava de me ver assim, irresistivelmente atraído, e ela sabia que eu sabia.
Deu um último gole no vinho, largou a taça sobre o balcão e levantou-se. Seguiu reto até a porta, ignorando a minha existência completamente. Senti-me perdido; será assim? Nunca mais verei aquelas personificações de cachoeiras de águas azuis cristalinas, nos quais me afoguei ao longo desse encontro? Antes de cruzar a saída, ela lança um último e fatídico olhar. Um olhar malicioso, pedante, certeiro. Seus olhos enigmáticos ficam a me olhar por alguns segundos, até que ela se vira e vai embora. Através do vidro, consigo ainda ver seu esboço e imaginar aquele mesmo sorriso com que me olhou a primeira vez.
Nunca mais a vi, mas aquele olhar permanece na minha mente, instigando-me, atordoando-me. Releio Dom Casmurro a fim de imaginá-la em Capitu e busco, assim, um refúgio nos meus devaneios a respeito daqueles dois olhos que pareciam refletir o céu sem sol, sem nada, só o mais lírico e transbordado mar límpido de sensações que eu já havia navegado.
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Um comentário:
Pohaa, Jeh! Muito bom!
Gostei muito. Parabéns!
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